sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

à beira-fome plantado

Como te dizer da chuva, fora da vidraça, se ela me inunda os ossos e me tolhe o movimento na humidade dos olhos. Como te dizer do sol se ele se esconde na vedação dos pomares onde nunca cresci, nas searas que nunca colhi, na água que me roubaram quando nasci. Como te dizer dos outros se nem de ti mãe eu lembro sequer as mãos. Como te dizer do futuro se nem sei escrever os dias e o meu pai é uma pedra que nunca vi. Como te dizer do amor se o meu coração dispara balas de fome e se vende a qualquer nome. A ponte onde moro é uma janela trucidada e as vistas enferrujaram até aos longes da minha infância. Sou o meu país órfão à beira-fome plantado.

quando me dá para escrever

há uma cidade louca dentro das palavras
que nasce prematura dentro de mim.
vou e quase chego já o dia vai a meio
e eu corro atrás mas a ponte é sem fim.
então vejo arder uma fogueira no contrário da sombra
que se move irada no canto das brasas,
e um rio que escorre na esquálida margem
de uns lábios que se abrem como asas.
e, ouço um sussurro, do que ao longe entendo,
eco de ideias que queimam crescendo,
e são os olhos, as mãos, as pernas correndo
à alta montanha do coração.
e há um sol que me aquece dos pés à razão
numa terra que se cobre de um verde liberto
onde pairam aves de infindas vitórias
e tenho árvores sempre novas num verbo desperto
lá no fundo da alma, à janela das memórias.